"A voz de minha mãe continua se espalhando pelos quatro cantos da casa:
— Está na mesa! Chamem os meninos!
Os meninos todos já de cabelos brancos chegam e, repetindo o tempo no
tempo, falam alto, escolhem os seus lugares, desviram os pratos, olham
com agrado a Mãe Centenária que os acolhe com sorriso aberto.

A toalha bem engomada já sabe que após o almoço estará manchada dos caldos azeitados que sempre respingam.
O sabor e o saber estão servidos. Saber que vem da fala de minha mãe e
se derrama sobre os filhos, os netos e os bisnetos que uma mesa só já
não comporta. Na varanda, outros lugares para os menores, os mais velhos
com direito à mesa da sala.
Na minha infância, a hora melhor era aquela das refeições, todos
juntos falando ao mesmo tempo. Meu pai e minha mãe na cabeceira pedindo
que falássemos mais baixo, dando a educação que eles tinham.
A mesa cheia de gente e de pratos não sabia fazer silêncio.
A lembrança de meu pai permanece viva no saber de minha mãe, em nossa
saudade. O feijão de leite com moqueca de tainha traz esse sabor.
Descobri com o passar do tempo que saudade tem cheiro e gosto.
Muitas toalhas foram colocadas sob os pratos e correram para o
tanque. Muita coisa o tempo lavou e levou, mas muita coisa ficou em cada
um de nós. O rosto de minha mãe bem novinho querendo que todos comessem
bem. A preocupação com a falta de apetite (“Esse menino só pode estar
doente!”). O cuidado em seguida, a comida dada na boca. Aquela forma
carinhosa nos fazia fingir inapetência para receber também as colheradas
de sopa na boca. Quanta lembrança! Dá água na boca...
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Em ouro e prata¹ |
"Oh! Virgem Mãe Puríssima
Dai-nos paz e proteção
Para que possamos chegar
Ao Vosso coração.
Sois nossa grande esperança,
Refugio e consolação
No perigo e na bonança
Doce Mãe da Purificação
Ajudai-nos, oh, Carinhosa
Pura e Casta, Virgem Santa
Fazei que nossa alma se eleve
Ao céu vitoriosa
Sois nossa grande esperança
Refugio e consolação
No perigo e na bonança
Doce Mãe da Purificação".
"Nos dias de festa, a mesa era enfeitada como moça bonita! Até laços
de folhas nas saladas eram arrumados. Frigideiras de repolho, maturi,
siri, caranguejo, camarão se espalhavam em assadeiras que serviam de
aperitivo à nossa gula.
Nossa mesa sempre foi um anti-spa.
A maniçoba, deixada por último por
ser o prato preferido da maioria, chegava derramando na sala, na
varanda, no corredor o recado cheiroso das folhas e das carnes
defumadas. A farinha fina e bem branca ficava esperando a hora alegre de
se misturar aos caldos.
Comer, beber é coisa de Deus! Quem diz que gula é pecado não estudou
no catecismo de nossa família. Comer de mão como índio, como escravo(Muito obrigada, axé!), é
liberdade deseducada que nos leva ao passado. Talheres depois, num
requinte necessário. Tudo é bom na mesa, em volta da mesa, em volta da
gente.
Olhar o cálice pequenino cheio de vinho do Porto sorvido por minha
mãe é uma bênção que serve de amparo para cada um de nós. Fazer um
brinde à mesa e à casa sempre farta é hábito que carregamos.
Em nossa casa, muitas vezes a poesia é misturada a um pedaço de lombo ferrugem. Ferrugem do tempo que não corrói a alegria.
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Altar de Santa Bárbara, pronto para a procissão(foto do face) |
As sobremesas nas compoteiras adoçando cada pedaço de vida: ambrosia
ou toucinho do céu? Os sorvetes feitos em casa, no congelador, servidos
com fatias de bolo. Pirulitos de mel ou de queijo enrolados no
papel-manteiga distribuídos para ser tudo como antigamente. As amodas
com um gostinho de gengibre ardendo um pouco, ajudando a fazer a
digestão.
Depois de tanta fartura de doces e salgados, cada um sem se preocupar
com calorias recebe o carinho caloroso de toda aquela gente que,
arrodeando a mesa, dá a ideia de uma brincadeira de roda quando de
barriga cheia, sem remorso, sem medo de engordar, canta: “Bote aqui o
seu pezinho, bote aqui juntinho ao meu e depois não vá dizer que você se
arrependeu”.
Mabel Velloso é contadora de histórias, escritora, autora do livro O Sal É um Dom — Receitas de Mãe Canô
ps. Coma e seja magro.Que é que tem dar comida na boca da criança? eu amava quando painho fazia um bolinho de feijão pra isso
¹HINO A NOSSA SENHORA DA PURIFICAÇÃO
SANTO AMARO – BA. Carlos Sepúlveda
Nossa Senhora da Purificação, a mesma Nossa Senhora das Candeias, ou da Candelária. Incandeia
¹HINO A NOSSA SENHORA DA PURIFICAÇÃO
SANTO AMARO – BA. Carlos Sepúlveda
Nossa Senhora da Purificação, a mesma Nossa Senhora das Candeias, ou da Candelária. Incandeia