quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

Minha Santo Amaro 2014

                "A voz de minha mãe continua se espalhando pelos quatro cantos da casa:
                — Está na mesa! Chamem os meninos!
                Os meninos todos já de cabelos brancos chegam e, repetindo o tempo no tempo, falam alto, escolhem os seus lugares, desviram os pratos, olham com agrado a Mãe Centenária que os acolhe com sorriso aberto.http://host2.brasilserv.com/~cozinhad/wp-content/uploads/2011/12/6747053G1.jpg
                 A toalha bem engomada já sabe que após o almoço estará manchada dos caldos azeitados que sempre respingam.
                O sabor e o saber estão servidos. Saber que vem da fala de minha mãe e se derrama sobre os filhos, os netos e os bisnetos que uma mesa só já não comporta. Na varanda, outros lugares para os menores, os mais velhos com direito à mesa da sala.
                Na minha infância, a hora melhor era aquela das refeições, todos juntos falando ao mesmo tempo. Meu pai e minha mãe na cabeceira pedindo que falássemos mais baixo, dando a educação que eles tinham.
                A mesa cheia de gente e de pratos não sabia fazer silêncio.
                A lembrança de meu pai permanece viva no saber de minha mãe, em nossa saudade. O feijão de leite com moqueca de tainha traz esse sabor. Descobri com o passar do tempo que saudade tem cheiro e gosto.
                  Muitas toalhas foram colocadas sob os pratos e correram para o tanque. Muita coisa o tempo lavou e levou, mas muita coisa ficou em cada um de nós. O rosto de minha mãe bem novinho querendo que todos comessem bem. A preocupação com a falta de apetite (“Esse menino só pode estar doente!”). O cuidado em seguida, a comida dada na boca. Aquela forma carinhosa nos fazia fingir inapetência para receber também as colheradas de sopa na boca. Quanta lembrança! Dá água na boca...
IMAGEM1
Em ouro e prata¹
                   O catecismo, pedaços da Bíblia nos chegavam nas fatias de pão, na divisão das postas de peixes. As parábolas de amor ali, na mesa comprida, foram entrando em nossos corações. Sem perceber aprendíamos a amar sendo amados".

"Oh! Virgem Mãe Puríssima
Dai-nos paz e proteção
Para que possamos chegar
Ao Vosso coração.

Sois nossa grande esperança,
Refugio e consolação
No perigo e na bonança
Doce Mãe da Purificação

Ajudai-nos, oh, Carinhosa
Pura e Casta, Virgem Santa
Fazei que nossa alma se eleve
Ao céu vitoriosa

Sois nossa grande esperança
Refugio e consolação
No perigo e na bonança
Doce Mãe da Purificação".
                  "Nos dias de festa, a mesa era enfeitada como moça bonita! Até laços de folhas nas saladas eram arrumados. Frigideiras de repolho, maturi, siri, caranguejo, camarão se espalhavam em assadeiras que serviam de aperitivo à nossa gula.
                  Nossa mesa sempre foi um anti-spa.
               A maniçoba, deixada por último por ser o prato preferido da maioria, chegava derramando na sala, na varanda, no corredor o recado cheiroso das folhas e das carnes defumadas. A farinha fina e bem branca ficava esperando a hora alegre de se misturar aos caldos.
                Comer, beber é coisa de Deus! Quem diz que gula é pecado não estudou no catecismo de nossa família. Comer de mão como índio, como escravo(Muito obrigada, axé!), é liberdade deseducada que nos leva ao passado. Talheres depois, num requinte necessário. Tudo é bom na mesa, em volta da mesa, em volta da gente.
                 Olhar o cálice pequenino cheio de vinho do Porto sorvido por minha mãe é uma bênção que serve de amparo para cada um de nós. Fazer um brinde à mesa e à casa sempre farta é hábito que carregamos.
Em nossa casa, muitas vezes a poesia é misturada a um pedaço de lombo ferrugem. Ferrugem do tempo que não corrói a alegria.
Altar de Santa Bárbara, pronto para a procissão(foto do face)
                  O sincretismo derramado nas comidas para santos e orixás.
As sobremesas nas compoteiras adoçando cada pedaço de vida: ambrosia ou toucinho do céu? Os sorvetes feitos em casa, no congelador, servidos com fatias de bolo. Pirulitos de mel ou de queijo enrolados no papel-manteiga distribuídos para ser tudo como antigamente. As amodas com um gostinho de gengibre ardendo um pouco, ajudando a fazer a digestão.
                 Depois de tanta fartura de doces e salgados, cada um sem se preocupar com calorias recebe o carinho caloroso de toda aquela gente que, arrodeando a mesa, dá a ideia de uma brincadeira de roda quando de barriga cheia, sem remorso, sem medo de engordar, canta: “Bote aqui o seu pezinho, bote aqui juntinho ao meu e depois não vá dizer que você se arrependeu”.

Mabel Velloso é contadora de histórias, escritora, autora do livro O Sal É um Dom — Receitas de Mãe Canô


ps. Coma e seja magro.Que é que tem dar comida na boca da criança?  eu amava quando painho fazia um bolinho de feijão pra isso
¹HINO A NOSSA SENHORA DA PURIFICAÇÃO
SANTO AMARO – BA.
Carlos Sepúlveda
Nossa Senhora da Purificação, a mesma Nossa Senhora das Candeias, ou da Candelária. Incandeia

Elul

Que mês hein! Pra mim tbm teve  tentativas de maldades miúdas, porq o assassinato do americano foi terrível. Não, ele não foi pro céu na hor...