Que tolice, minha negra,
[...]
que você tenha
espichado
seu cabelo.
Para que
essa beleza
artificial [?].
Ao começar defendendo a identidade negra
e a valorização dos encantos inerentes a esta raça, Édison Carneiro
antecipa-se a todos que viriam a exaltar as qualidades positivas do
negro, a exemplo de Jorge Amado e de Dorival Caymmi, na sua própria
geração, ou de Caetano Veloso, numa das gerações posteriores. Mas o
poema perde a sua eficiência e se desvia do objetivo pretendido
quando cede à piada de gostos duvidosos. Para censurar o fato da sua
“negra faceira” ter transformado os cabelos em “ligas melenas”, isto
é, em cabelos longos e soltos, ele cede a uma forma de humor
corrosivo, senão depreciativo e desprovido de graça. Fazendo
referência às estradas de ferro em construção na época, o jovem
poeta Édison Carneiro arremata:
E você
bem que podia
concorrer
com o pixaim
para cercá-las
a farpas de arame.
A conclusão do poema, nada poética, sem
dúvida, surpreenderia ao futuro leitor do habitualmente correto e
atento etnólogo Édison Carneiro. Pode-se argumentar que, do mesmo
modo que o irreverente compositor Gabriel, o Pensador, faz humor em
“Loura burra”, o poeta modernista dos anos vinte estaria adotando
similar efeito cômico. Mas, na perspectiva atual, quando se afirmam
os valores de uma raça e de uma cultura anteriormente humilhadas
pela escravidão e pela posterior condenação à desgraça econômica,
qualquer sátira que permita ser usada como valoração negativa deve
ser evitado, para não reforçar os preconceitos.
Não esqueçamos, porém, que o momento
vivido por Édison Carneiro era outro e que o conceito persecutório
do politicamente correto, útil por um lado e caricato por
outro, ainda não ditava a conduta norte-americana, politicamente
incorreta. Pulando do político para o poético, digamos, portanto,
que não é poeticamente correto julgar um texto dos anos vinte
numa perspectiva de quase um século depois.
Mas em compensação ao mau gosto (e ao
arame farpado)..."
por Renato Suttana, aqui:
A Poesia de Édison Carneiro Redescoberta por GilFrancisco